"Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer."

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Esaú e Jacó


O enredo de Esaú e Jacó centra-se na história dos gêmeos Pedro e Paulo, simetricamente opostos. Suas brigas, que se iniciam no útero materno, estendem-se por toda a vida. Seus temperamentos são invertidos: Pedro é dissimulado e cauteloso, Paulo é arrojado e impetuoso. Na política, encontram campo fértil para dar vazão às suas animosidades: Paulo é republicano e Pedro monarquista. O primeiro vai cursar Direito em São Paulo, o segundo Medicina no Rio de Janeiro. Une-os o amor extremado pela mãe, Natividade, e separa-os a paixão por Flora, a “inexplicável”, segundo o conselheiro Aires, que se junta à mãe no esforço de aproximar os rapazes.
Com a morte de Flora, os dois irmãos pareciam rumar para a reconciliação, logo frustrada. Nem mesmo o último pedido da mãe, que no leito de morte pede-lhes que sejam amigos, consegue uni-los por muito tempo. Ao final do romance, Aires constata que sempre foram inimigos e que, ao que tudo indica, sempre o serão. Em certo momento da narrativa, o conselheiro afirma que as razões para tantas brigas não são conhecidas:
“ – Esaú e Jacó brigaram no seio materno, isso é verdade. Conhece-se a causa do conflito. Quanto a outros, dado que briguem também, tudo está em saber a causa do conflito, e não a sabendo, porque a Providência a esconde da notícia humana...”
No entanto, na Bíblia, narra-se que Rebeca, ao sentir que os filhos brigam em seu útero, pergunta a Deus qual seria a causa e Este responde: “Duas nações há no teu ventre.” Essa é a causa a que alude o conselheiro. Pode ser também a causa alegórica da luta constante de Pedro e Paulo. As duas nações seriam o próprio Brasil, dividido, na época, entre a Monarquia e a República e até hoje entre o progresso e o conservadorismo, entre a sofisticação e a miséria. A figura de Flora, indecisa entre os dois irmãos, já foi identificada como uma representação alegórica da própria nação brasileira “inexplicável”. Seu pai, Batista, é o típico político fisiológico que muda de partido como quem troca de camisa, sem ter qualquer convicção política ou ideológica.
No entanto, Machado de Assis nos fornece outra explicação, essa psicológica e não alegórica, para as constantes disputas fraternas. Crianças, ao travarem seu primeiro combate, recebem doces e beijos e um passeio de carro da mãe ao se reconciliarem. O narrador conclui o episódio com as seguintes constatações:

“De noite, na alcova, cada um deles concluiu para si que devia os obséquios daquela tarde, o doce, os beijos e o carro, à briga que tiveram, e que outra briga podia render tanto ou mais. Sem palavras, como um romance ao piano, resolveram ir à cara um do outro, na primeira ocasião. Isto que devia ser um laço armado à ternura da mãe, trouxe ao coração de ambos uma sensação particular, que não era só consolo e desforra do soco recebido naquele dia, mas também satisfação de um desejo íntimo, profundo, necessário.”

As implicações freudianas são claras: o Complexo de Édipo revelado na adoração da mãe faz com que se lancem um contra o outro. É bom lembrar que Machado de Assis escrevia antes mesmo do termo ser inventado. O mesmo Complexo pode explicar o fato de ambos se apaixonarem pela mesma mulher.

Fonte: http://fredb.sites.uol.com.br/esaujaco.html

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